Há mais de 1.500 anos, o profeta Mani pregava que o mundo não era governado por apenas uma única divindade, mas sim, por duas forças: uma seria o princípio do mal, que ele identificava como a escuridão e a matéria, e a outra, o princípio do bem, segundo ele, a luz e o espírito.
Com o passar dos anos, o Maniqueísmo tornou-se sinônimo de um raciocínio simplista, tendencioso a minimizar as questões por uma dicotomia, por exemplo, verdadeiro ou falso, certo ou errado. Em Humano, demasiado Humano, Friedrich Nietzsche, refletindo a respeito de certas crenças, afirmou que não há fatos eternos como não há verdades absolutas.
Nos litígios judiciais que envolvem o Direito Ambiental, a discussão ainda é estigmatizada como se houvesse apenas dois lados exatamente como pregava a doutrina maniqueísta. Em resumo, do lado verde, figuraria a instituição do Ministério Público que, por meio de suas promotorias de meio ambiente, deteria o rótulo de ser o grande e único “defensor do meio ambiente” nas ações judiciais; e do outro lado, estariam os “desenvolvimentistas”, representados, em sua maioria, por empresas que sejam rés em ações de dano ambiental.
Hollywood também possui certa parcela de influência na questão. Filmes norte-americanos consagrados onde tramas ambientais são o pano de fundo – A Qualquer Preço (A Civil Action, no original), com John Travolta, e Erin Brockvich: Uma mulher de talento, protagonizado por Julia Roberts, são bons exemplos, pois, contribuíram para a demonização das empresas que exercem atividades exploradoras de recursos ambientais em uma sociedade que se preocupa cada vez mais em equalizar o tripé da sustentabilidade.
No entanto, a complexidade é uma das marcas mais características dessa atual sociedade de risco. Na verdade, quando estamos lidando com a tutela do meio ambiente, bem de uso comum do povo segundo a Constituição Federal, nem tudo que parece ser, de fato, é.
Em primeiro lugar, importante esclarecer que é comum haver uma pluralidade de sujeitos como autores e réus em um processo nas demandas ambientais de maior enredamento. Dessa forma, a discussão não é exaurida apenas na dicotomia Ministério Público vs Empresa, mas sim, com a possibilidade de participação de outros stakeholders como ONG´s, órgãos ambientais, associações, entes da Administração Pública, pessoas físicas, etc, na qualidade de autor, réu ou terceiro interessado – é por isso que se o Direito Ambiental fosse aderir a uma filosofia religiosa, certamente não poderia ser o Maniqueísmo.
Outro ponto que deve ser desmistificado é o rótulo de vilão atribuído exclusivamente às empresas do setor produtivo que são demandadas judicialmente por questões ambientais. Uma das características da responsabilidade civil por dano ambiental é a solidariedade entre todos o que concorreram para a poluição. O conceito legal de poluidor, previsto no art. 3º, IV, na lei 6.938/1981, é amplíssimo e difícil de se estabelecer balizas tendo em vista que o legislador equiparou a responsabilização para todas as pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado, responsáveis, direta ou indiretamente, por atividades causadoras de degradação ambiental.
Nesse cenário, com uma definição tão abrangente e abstrata para se identificar os responsáveis por qualquer tipo de poluição (i.e. dos solos, sonora, visual, atmosférica e hídrica), indaga-se: seria o empreendedor o único a merecer esse estereótipo tão maquiavélico?
Portanto, sem grandes pormenores, apenas com o intuito de promover uma pequena reflexão, diante da volatilidade dos assuntos ambientais, é extremamente desejável que o debate acerca de temas como a identificação dos responsáveis por determinada poluição tenham a profundidade que o assunto mereça para que haja menos maniqueísmo e mais reflexões nietzschianas.